Quando acordou preferiu permanecer calado. Olhou ao lado procurando o que não tinha certeza. Ela, também acordada, o observava com uma expressão serena. Ficaram assim, não se sabe se por um minuto, uma hora ou um dia inteiro.
Até que ela resolveu interromper o silêncio e perguntou: Quem é você? Mais silêncio. A pergunta saiu exatamente como ela queria. Não com aquele tom grosseiro, como se o estivesse acusando de algum crime ou perguntando onde havia passado a última noite. Simples assim: ‘’quem é você?’’.
Sabia seu nome, sabia do que gostava, o que fazia, o que não fazia, número de RG, CPF, camisa predileta, cantor preferido. Tudo. Mas pela primeira vez desde que estavam juntos, sentiu curiosidade de saber quem realmente era aquele homem que chamava de seu.
Ela não esperava a reação que veio. Como se ele já estivesse esperando por aquela pergunta, como se soubesse que ela viria mais cedo ou mais tarde.
“Não sei”, foi o que disse. E fechou os olhos novamente, tentando esquecer o que não sabia. Pensava o quão cruel era sua mulher, ao lançar aquela questão justo naquele momento. Sentiu um vazio e uma vontade incontrolável de descobrir enfim, quem ele era, mesmo que fosse pra se saber alguém banal.
Quando levantou da cama, a mulher sentia um desapontamento que poucas vezes havia sentido. Talvez quando seu pai a tirou da escola de balé, ou quando o menino de quem gostava na escola, beijara sua melhor amiga. Se vestiu, agradeceu o homem de quem cuidara por dez anos e sem pegar nem a escova de dentes, deixou o apartamento, nada familiar. Decidiu sair assim, sem nada nas mãos ou nos bolsos. Quando a história termina, tudo morre junto com ela. E aquela decididamente havia terminado. Não poderia continuar com um homem que não sabia quem era. Nem ele tinha ideia.
Ele não reagiu ao abandono. Permaneceu um tempo inerte, sem pensar. Um minuto, uma hora, um dia inteiro, não se sabe. Quando retomou a consciência, levantou. Estava suado, sentia um enjoo incômodo e nojo de si mesmo. Mas estava decidido.
Vestiu uma roupa qualquer e, pela janela mandou sua mulher à merda, mandou o mundo à merda. Estava leve. Decidido. A partir de amanhã seria alguém. E ai de quem ousasse dizer que não. Pensou na mãe e na visita que devia há meses. Iria amanhã, sem falta. Talvez ela nem o reconhecesse.
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