Foi durante aquele fazer nada, quando tiramos um tempo para ver as últimas atualizações das redes sociais, com postagens irrelevantes a respeito de assuntos desimportantes, que vi a foto. Serviu como um despertador. Acordei do transe, engoli seco, a barriga gelou. A foto, que há pouco chocara o mundo inteiro, naquele instante me chocava também. Até aquele momento, não sabia nada a respeito das circunstâncias, mas a dor pelo soco no estômago estava bem clara. A imagem era também um grito mudo e ao mesmo tempo ensurdecedor. Um bebê, de apenas três anos, sem vida deitado na praia, de frente à água rasa do mar. Definitivamente algo estava muito errado naquela cena. Fui procurar saber do que se tratava.
Me deparei com a história de Aylan Kurdi, um menino sírio nascido durante a guerra e que morrera tentando fugir dela, ao lado de sua família. Eles eram de Kobane, cidade que ganhou destaque por ter sido palco das violentas batalhas entre militantes extremistas muçulmanos e forças curdas no início do ano. Tentavam atravessar o mar em busca de uma vida melhor, no Canadá, onde tinham parentes. Nessa tentativa de fuga, apenas o pai, Abdullah Kurdi, sobrevivera. Além do menino Aylan, também seu irmão de cinco anos e a mãe haviam sido derrotados pelo mar e não conseguiram completar a viagem.
Sabemos que muitas crianças morrem todos os dias, em todos os lugares do mundo. Vítimas de maus tratos, da fome, doenças e violência. Então, por que a foto de Aylan Kurdi nos choca tanto? É pela roupa intacta – a camisetinha vermelha e a bermudinha azul? (Por que ele não levanta?) É pelo entorno da cena, na beira do mar, lugar que serve de diversão para todas as crianças? (Certamente não é lugar para se morrer!) Me doeu tudo isso e também imaginar os momentos que antecederam a viagem da família síria. A esperança movendo os passos dos pais e dos dois pequenos, já esgotados da violência e do perigo enfrentados em sua terra natal. Certamente a mãe de Aylan o vestiu caprichosamente pensando que o trocar de roupa significava naquele instante também mudar de vida. Calçou os sapatinhos nos pés que, em breve, se tudo desse certo, pousariam em uma terra mansa, melhor, onde se poderia caminhar livremente, eternamente, sem medo. A camisetinha, a bermudinha e o sapatinho pousaram intactos na areia branca, protegendo o corpo pequenino de Aylan, sem vida.
Quem matou Aylan não foi o mar. Quem matou Aylan não foi o Canadá, ao negar abrigo. Quem matou Aylan não foi a guerra. Não foi o extremismo religioso. Foi o conjunto de tudo isso, e também fui eu. E você. Quem matou Aylan fomos todos nós. O grande muro que separa as nações ricas das pobres é o mesmo que nos separa. Vivemos na era do individualismo e da indiferença com o outro. Não aceitamos o que é diferente de nós. O imenso fosso que impede que as vítimas da violência dos países em guerra ingressem em território pacífico é o mesmo que impede que alguém tenha livre acesso a todos os territórios da cidade que também é sua, é de todo mundo. Na sociedade que construímos, alguns são condenados e têm suas vidas tiradas simplesmente porque estavam “no lugar errado e na hora errada” (não podemos nos esquecer da recente chacina da grande São Paulo).
Quem matou Aylan fomos todos nós porque fracassamos como humanidade. Temos que reconhecer. Construímos um mundo injusto, uma sociedade discriminatória e excludente. Estamos de passagem pela Terra e, no entanto, nos achamos donos dela e no direito de determinar limites e levantar muros e fronteiras. Condenamos o outro à morte para não termos que vê-lo poluir o nosso mundo. Você pode achar que não tem nada com isso, mas tem. Você pode pensar que tudo isso está muito distante, do outro lado do mundo, mas não. Experimente olhar um pouco para o lado e certamente terá um Aylan por perto. Por isso penso que é tão importante que a foto de Aylan se espalhe. E doa em mim e em você. Somente assim paramos para refletir.
Tenho que admitir que sofro do mal do otimismo, daquele que cega. Então acredito piamente que ainda vamos evoluir como humanidade, como sociedade, como mundo. Tenho plena confiança de que chegará o dia em que todos poderão circular livremente por todo canto sem ser vítima de preconceito por sua origem, raça, cor ou opção sexual. Tenho fé de que um dia o mal deixará de existir. Mas enquanto isso não acontece, peço que a foto de Aylan se espalhe em todo canto do nosso planeta e comova o mundo.
Que os homens não contenham as lágrimas. E que as mulheres encarnem a Angélica, de Chico, e só queiram embalar Aylan, que já mora na escuridão do mar.
Me deparei com a história de Aylan Kurdi, um menino sírio nascido durante a guerra e que morrera tentando fugir dela, ao lado de sua família. Eles eram de Kobane, cidade que ganhou destaque por ter sido palco das violentas batalhas entre militantes extremistas muçulmanos e forças curdas no início do ano. Tentavam atravessar o mar em busca de uma vida melhor, no Canadá, onde tinham parentes. Nessa tentativa de fuga, apenas o pai, Abdullah Kurdi, sobrevivera. Além do menino Aylan, também seu irmão de cinco anos e a mãe haviam sido derrotados pelo mar e não conseguiram completar a viagem.
Sabemos que muitas crianças morrem todos os dias, em todos os lugares do mundo. Vítimas de maus tratos, da fome, doenças e violência. Então, por que a foto de Aylan Kurdi nos choca tanto? É pela roupa intacta – a camisetinha vermelha e a bermudinha azul? (Por que ele não levanta?) É pelo entorno da cena, na beira do mar, lugar que serve de diversão para todas as crianças? (Certamente não é lugar para se morrer!) Me doeu tudo isso e também imaginar os momentos que antecederam a viagem da família síria. A esperança movendo os passos dos pais e dos dois pequenos, já esgotados da violência e do perigo enfrentados em sua terra natal. Certamente a mãe de Aylan o vestiu caprichosamente pensando que o trocar de roupa significava naquele instante também mudar de vida. Calçou os sapatinhos nos pés que, em breve, se tudo desse certo, pousariam em uma terra mansa, melhor, onde se poderia caminhar livremente, eternamente, sem medo. A camisetinha, a bermudinha e o sapatinho pousaram intactos na areia branca, protegendo o corpo pequenino de Aylan, sem vida.
Quem matou Aylan não foi o mar. Quem matou Aylan não foi o Canadá, ao negar abrigo. Quem matou Aylan não foi a guerra. Não foi o extremismo religioso. Foi o conjunto de tudo isso, e também fui eu. E você. Quem matou Aylan fomos todos nós. O grande muro que separa as nações ricas das pobres é o mesmo que nos separa. Vivemos na era do individualismo e da indiferença com o outro. Não aceitamos o que é diferente de nós. O imenso fosso que impede que as vítimas da violência dos países em guerra ingressem em território pacífico é o mesmo que impede que alguém tenha livre acesso a todos os territórios da cidade que também é sua, é de todo mundo. Na sociedade que construímos, alguns são condenados e têm suas vidas tiradas simplesmente porque estavam “no lugar errado e na hora errada” (não podemos nos esquecer da recente chacina da grande São Paulo).
Quem matou Aylan fomos todos nós porque fracassamos como humanidade. Temos que reconhecer. Construímos um mundo injusto, uma sociedade discriminatória e excludente. Estamos de passagem pela Terra e, no entanto, nos achamos donos dela e no direito de determinar limites e levantar muros e fronteiras. Condenamos o outro à morte para não termos que vê-lo poluir o nosso mundo. Você pode achar que não tem nada com isso, mas tem. Você pode pensar que tudo isso está muito distante, do outro lado do mundo, mas não. Experimente olhar um pouco para o lado e certamente terá um Aylan por perto. Por isso penso que é tão importante que a foto de Aylan se espalhe. E doa em mim e em você. Somente assim paramos para refletir.
Tenho que admitir que sofro do mal do otimismo, daquele que cega. Então acredito piamente que ainda vamos evoluir como humanidade, como sociedade, como mundo. Tenho plena confiança de que chegará o dia em que todos poderão circular livremente por todo canto sem ser vítima de preconceito por sua origem, raça, cor ou opção sexual. Tenho fé de que um dia o mal deixará de existir. Mas enquanto isso não acontece, peço que a foto de Aylan se espalhe em todo canto do nosso planeta e comova o mundo.
Que os homens não contenham as lágrimas. E que as mulheres encarnem a Angélica, de Chico, e só queiram embalar Aylan, que já mora na escuridão do mar.
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