Ilustração: @pini.arte
Traiçoeira, sorrateira, é uma serpente que ataca sem avisar.
Me recuso a morrer. Não quero, não posso, não aceito.
A
coisa vai ficando boa e enquanto vai ficando boa você perde a agilidade, a
coragem, a beleza. Não é justo. Você finalmente compreende a marcha e o motor já
está prestes a fundir. Ou então é o carro que explode em uma curva da estrada
precocemente, sem avisar.
São muitas as coisas pelas quais vale a pena viver. O
amor. O sexo. Os filhos. O disco novo do Caetano. O filme novo do Almodóvar. O
livro de contos do Chico. A beleza lá fora. A estranheza dos dias nublados.
Até mesmo o envelhecer faz valer a pena.
O único lado negativo de envelhecer é se saber cada vez mais próximo da morte. E
a morte não vale a pena.
Sim, queria ser eterno porque sempre haverão amores. E
gente legal fazendo bons filmes, escrevendo bons livros e dizendo coisas
importantes. E não quero perder nada disso. Quero engolir cada gota e que a garrafa nunca seque. Não quero morrer.
Saibam, amigos. Se
eu morrer amanhã, subitamente, tenham consciência de que me fui protestando, gritando, esperneando.
Me recusando a aceitar. Como uma criança tomada pelo sono e que não se entrega, ainda querendo brincar.
A única coisa que me faria aceitar a morte de forma leve seria se com isso permitisse que alguém querido pudesse viver no lugar. Me
sacrificaria e iria feliz.
Falando em ser feliz, feliz do homem que não
questiona essas coisas e aceita calado o seu destino. Invejo o ignorante, o
conformado. Aquele homem que morre em paz, dizendo que a vida valeu a pena. Por
isso mesmo, a vida vale tanto a pena que morrer não faz sentido.
A morte é uma
grandíssima filha da puta. E contra ela declararei guerra, mesmo sabendo que
perderei.
Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário