Pular para o conteúdo principal

Saramago e o palpite infeliz

José Saramago, em um palpite infeliz, comparou o Rio de Janeiro a Berlim. O escritor português condena a construção dos muros nas favelas cariocas. Para ele, o projeto se caracteriza como segregacionista. Daí a comparação.

Recorri a biografia de Saramago e constatei que o escritor nasceu numa aldeia do Ribatejo, chamada Azinhaga, ao sul de Portugal e, ainda menino, se mudou com a família para Lisboa. Ele pouco sabe da realidade na capital fluminense. E muito menos da vida na favela. Saramago talvez já tenha se emocionado com a novela das oito e seja fã de carteirinha de Manoel Carlos. Mas não passa disso. O escritor não só poderia como deveria ter permanecido calado.

O autor da ideia de construir o muro, o governador Sérgio Cabral, talvez tenha acertado sem querer. Mas acertou. Essa certamente não será a salvação milagrosa para os problemas das favelas, mas cumprirá com o seu único objetivo inicial, que é proteger o que resta da mata atlântica dos morros. Paralelamente, o governo precisa criar outros projetos sociais.

Por exemplo, na favela da Chacrinha, zona oeste do Rio, o projeto funcionou e impediu a expansão sobre o morro do Mato Alto. A vida lá permanece a mesma e sem o crescimento desordenado da favela. Os moradores reclamam é da falta de manutenção da obra, o que também precisa ser levado em conta. O governo não pode simplesmente levantar o muro e abandoná-lo em seguida.

A população precisa agora ter a consciência de que o muro não pretende melhorar a educação, aumentar a qualidade de vida, nem acabar com o problema da balas perdidas nas favelas. Sequer tem qualquer pretensão no que se refere à segurança. O projeto fala apenas em preservação ambiental. O direito de ir e vir dos moradores permanecerá o mesmo, o tráfico continuará dominando os morros, muitas balas perdidas ainda serão encontradas por vítimas inocentes e por aí vai.
Comparar o muro da Rocinha ao muro de Berlim é vergonhoso. E quando o comentário parte de José Saramago se torna constrangedor. A condenação do projeto por parte da população e de outros críticos é fruto apenas do preconceito. Nada mais.

Comentários

mais vistos

Saí do Brasil. E morri.

Estou morando no Canadá há quase um mês. Minha esposa foi aprovada em uma seleção para fazer seu doutorado na cidade de Calgary, a terceira maior do país, e resolvemos vir assim, de mala e cuia. Calgary é um lugar curioso, é chamada pelos íntimos de cowtown, cidade das vacas em uma tradução literal, termo usado para um lugar com fazendas em seus arredores, com um clima mais interiorano, talvez. Só para se ter ideia, o maior rodeio do mundo acontece aqui, então realmente é um lugar de Cowboys e Cowgirls. Mas pretendo contar mais da cidade e da vida aqui depois. Quero focar agora na experiência de se fazer as malas e sair do seu país, seja ele qual for. Apesar de ser pouco tempo de experiência, já pude comprovar algumas impressões que tinha sobre a mudança para o exterior. O que acontece quando você faz as malas e embarca no avião com destino a um lugar completamente diferente do seu? Você morre. Isso mesmo, você morre. Eu morri quando vim. Começa pelo fato de normalmente, nesse tip

O Retrato Rasgado

As fotos de uma vida inteira podem caber no bolso da calça. Temos pen-drive, celular, cartão de memória, tablet, notebook, computador e mais um zilhão de ferramentas para nos auxiliar nesse arquivo infinito enquanto dure. Infelizmente esse fenômeno da tecnologia colocou fim a um hábito comum a maioria das famílias: se reunir para ver fotos. A lembrança que tenho é de retirar do alto do armário caixas e mais caixas, leva-las até a sala para a visita do dia ou para nós mesmos, e começar a retirar um a um os álbuns que contavam a história da família. A cada mergulho no passado perdia-se horas olhando as imagens e comentando o quanto fulano era magro, siclano era cabeludo e assim por diante. O tempo em casa parava e, devagarinho, ia andando para trás. Hoje raramente dedico um tempo para organizar as minhas fotos e muito menos para revê-las. Tenho uma pasta no meu desktop e vou salvando tudo lá, de tempos em tempos, sempre que preciso esvaziar a memória do celular. A tecnologia também n

O Fantasma de Vinte Anos

Todo dia ele faz tudo sempre igual. Acorda às seis da manhã, desliga o despertador do celular, aproveita o aparelho nas mãos para olhar as últimas novidades das redes sociais, a previsão do tempo, o e-mail, e só depois de uns dez minutos é que se vira para o lado, dá um beijo na esposa que levanta as oito e ainda está dormindo, e se ergue da cama. Afinal, não tem escolha. Vai até o closet, separa cueca, meia, calça e camisa e deixa cada peça, uma sobre a outra, lhe esperando. Entra no banheiro. Primeiro liga o chuveiro e só depois tira o pijama, dá o tempo certo de a água esquentar. No banho, sempre a mesma sequência. Primeiro o cabelo – o pouco que lhe restou já está grisalho, muito diferente da cabeleira farta dos seus vinte anos – sempre pensa nisso enquanto esfrega os poucos fios com as pontas dos dedos. Por último os pés. Desliga o chuveiro e sai. Seca o corpo começando pela cabeça, que já está no escritório. Será que responderam aquele e-mail? Será que fulano finalizou a plan