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Piada sem graça


A ditadura militar no Brasil, e tudo o que ela representou – censura e proibição - deixou resquícios.

Um deles é o silêncio exigido dos humoristas até as próximas eleições.

Uma resolução aprovada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) estabeleceu que, desde 1º de julho, as emissoras estão proibidas de "usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido político ou coligação, bem como produzir ou veicular programa com esse efeito". A decisão se baseia no artigo 45 da lei 9.504, de 1997. Quem a infringir, pode ser multado em até R$ 106.410 – valor que dobra em caso de reincidência.

Ou seja, estamos terminantemente proibidos de rir dos nossos candidatos. Uma piada de péssimo gosto.

Humorista não combina com radicalismo. Não nasceu pra reivindicar, protestar. Faz isso naturalmente, usando a ferramenta que tem: o humor. Ontem, porém, abriram uma exceção e foram às ruas do Rio de Janeiro exigir o direito de fazer rir. E de poder usar a imagem dos políticos para isso, afinal, até onde se sabe políticos não estão acima do bem e do mal, também são humanos e, justamente por isso, são ridículos como qualquer um.

O que será que eles temem tanto?

Nesse sentido, os Estados Unidos ainda têm muito que nos ensinar. Lá, os próprios candidatos participam dos programas de humor, sem nenhum problema. Não temem que as piadas sobre seus trejeitos, sua aparência física, suas roupas, seu jeito de falar ou mesmo sua história de vida denigram sua imagem aos eleitores. São obrigados a praticar uma tarefa muitas vezes complicada: a de saber rir de si mesmo. Tarefa que todos nós deveríamos praticar, não só os políticos.

É fato que quando o alvo do humor somos nós, muitas vezes, fica difícil de achar graça. Um exemplo foi a revolta do Brasil quando o seriado Os Simpsons exibiu um episódio em que os personagens vinham ao Rio de Janeiro, eram vítimas de assalto e assistiam aos macacos andando livremente pela cidade. Não entendemos a piada ou simplesmente não aceitamos. Protestamos. Soou como ridículo mundo afora.

Também não se pode exigir do humor que seja politicamente correto. Seria exigir o fim do humor. Ele existe justamente para colocar o dedo na ferida, para fazer pensar, refletir. Além disso, não pode ser visto como algo simples, supérfluo. Por incrível que pareça, humor é coisa muito séria. Certamente por isso vem sendo alvo de proibições.

Não me recordo qual foi o humorista que definiu dia desses que, pedir que um profissional do humor não caçoe de políticos em época de eleição seria o mesmo que proibir que se fale em futebol na época da Copa do Mundo. Ou seja, inviável.

Duas coisas são certas.

A proibição está em vigor há mais de dez anos, então devemos nos questionar: que democracia é essa? Democracia para o que convém? Ora democracia, ora ditadura? E mais, quem não tem a habilidade de rir de si mesmo certamente tem habilidade para outras coisas não tão boas assim. Desconfie.

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