Pular para o conteúdo principal

A dor do Fenômeno


Qual o limite da dor?

Ronaldo deve saber bem, tanto a dor do corpo quanto a da alma. Mas não saberia reconhecer qual é a pior. Os dois lhe deram ares de fenômeno, alguma coisa de super-heroi, lhe recusaram a condição de simples humano. Nos últimos tempos, cobraram o preço que ele se recusou a pagar. No fim não teve jeito, teve que acertar a conta à força.

Ao contrário do que a maioria está dizendo, esta não é a primeira morte de Ronaldo, das duas inevitáveis. O Fenômeno teve tantas outras que fica até difícil de contar. As seguidas contusões e cirurgias, os conturbados episódios na vida pessoal, as noitadas, as mulheres lindas, os travestis. Ronaldo morreu muito mais que uma vez, mas soube renascer sempre.

Por isso a comoção, por ser tão difícil reconhecer o homem, que sempre conseguiu se superar, desistindo. A fraqueza de Ronaldo é a nossa fraqueza, assim como suas alegrias foram as nossas também. Poucos representam tão bem o que é ser brasileiro quanto ele. Nasceu ninguém, conquistou o sucesso na marra e foi caindo e se levantando tantas vezes que muitos até duvidavam que fosse apenas por perseverança. "Não pode ser, tem algo sobrenatural ali", chegavam a imaginar.

Ronaldo foi fenômeno até mesmo na despedida dos campos. Não se importou em se reconhecer humano, chorou e admitiu: seu próprio corpo o derrotara. Agora, a alma também chora, de lamento e alívio pelo descanso. Ronaldo e a bola, que o levou mais longe do que qualquer um imaginaria, estão definitivamente separados. Sorte de quem os viu juntos. Contemos aos outros. Dificilmente acreditarão na história do início ao fim. Mesmo assim, contemos.

Comentários

mais vistos

Saí do Brasil. E morri.

Estou morando no Canadá há quase um mês. Minha esposa foi aprovada em uma seleção para fazer seu doutorado na cidade de Calgary, a terceira maior do país, e resolvemos vir assim, de mala e cuia. Calgary é um lugar curioso, é chamada pelos íntimos de cowtown, cidade das vacas em uma tradução literal, termo usado para um lugar com fazendas em seus arredores, com um clima mais interiorano, talvez. Só para se ter ideia, o maior rodeio do mundo acontece aqui, então realmente é um lugar de Cowboys e Cowgirls. Mas pretendo contar mais da cidade e da vida aqui depois. Quero focar agora na experiência de se fazer as malas e sair do seu país, seja ele qual for. Apesar de ser pouco tempo de experiência, já pude comprovar algumas impressões que tinha sobre a mudança para o exterior. O que acontece quando você faz as malas e embarca no avião com destino a um lugar completamente diferente do seu? Você morre. Isso mesmo, você morre. Eu morri quando vim. Começa pelo fato de normalmente, nesse tip

O Retrato Rasgado

As fotos de uma vida inteira podem caber no bolso da calça. Temos pen-drive, celular, cartão de memória, tablet, notebook, computador e mais um zilhão de ferramentas para nos auxiliar nesse arquivo infinito enquanto dure. Infelizmente esse fenômeno da tecnologia colocou fim a um hábito comum a maioria das famílias: se reunir para ver fotos. A lembrança que tenho é de retirar do alto do armário caixas e mais caixas, leva-las até a sala para a visita do dia ou para nós mesmos, e começar a retirar um a um os álbuns que contavam a história da família. A cada mergulho no passado perdia-se horas olhando as imagens e comentando o quanto fulano era magro, siclano era cabeludo e assim por diante. O tempo em casa parava e, devagarinho, ia andando para trás. Hoje raramente dedico um tempo para organizar as minhas fotos e muito menos para revê-las. Tenho uma pasta no meu desktop e vou salvando tudo lá, de tempos em tempos, sempre que preciso esvaziar a memória do celular. A tecnologia também n

O Fantasma de Vinte Anos

Todo dia ele faz tudo sempre igual. Acorda às seis da manhã, desliga o despertador do celular, aproveita o aparelho nas mãos para olhar as últimas novidades das redes sociais, a previsão do tempo, o e-mail, e só depois de uns dez minutos é que se vira para o lado, dá um beijo na esposa que levanta as oito e ainda está dormindo, e se ergue da cama. Afinal, não tem escolha. Vai até o closet, separa cueca, meia, calça e camisa e deixa cada peça, uma sobre a outra, lhe esperando. Entra no banheiro. Primeiro liga o chuveiro e só depois tira o pijama, dá o tempo certo de a água esquentar. No banho, sempre a mesma sequência. Primeiro o cabelo – o pouco que lhe restou já está grisalho, muito diferente da cabeleira farta dos seus vinte anos – sempre pensa nisso enquanto esfrega os poucos fios com as pontas dos dedos. Por último os pés. Desliga o chuveiro e sai. Seca o corpo começando pela cabeça, que já está no escritório. Será que responderam aquele e-mail? Será que fulano finalizou a plan