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O Brasil sem referência


"Narciso acha feio tudo o que não é espelho", já cantava Caetano Veloso na letra que melhor representa a cidade de São Paulo e o estranhamento que ela causa em quem não é de lá. Muitas vezes, ao invés de achar feio aquilo que não conhecemos, procuramos referências para comparar e igualar com o que dominamos. Assim o estranho se torna mais compreensível. Serve pra tudo.

Quando surge um novo artista, por exemplo, os críticos logo concluem que aquele é o "novo Chico" ou a "reencarnação de Charles Chaplin". Por mais que se tenha um estilo totalmente próprio e inovador, as pessoas sempre vão querer procurar uma referência ou um rótulo para encaixar no que já é de domínio público. É um pensamento limitador, simplista e careta. Mas parece que usufruir de algo que não se domina por completo está além da capacidade das pessoas.

Com o esporte e principalmente com o futebol funciona da mesma maneira. Neymar não é Neymar, e sim o novo Pelé. Messi é o Maradona versão careta. O Barcelona é o Brasil de 82 ou a Laranja Mecânica de 74 e 78. Tudo parece que já foi visto antes. Como a reprise de uma novela antiga ou uma peça de teatro que nunca sai de cartaz.

Pensar assim é ilusão. Sinto em informar aos saudosistas de plantão que tudo que mencionei antes é atual. Faz parte da história que ainda está sendo escrita. Messi tem apenas vinte e quatro anos, Neymar dezenove. O Barcelona está no auge. A única relação com o passado é porque cada jogador ou técnico tem suas referências e influências. Mesmo assim, o foco no futuro nunca se perde. Justamente por isso o Barcelona está muito além de qualquer outro time do mundo. Olha pra frente sem perder as referências que considera importantes.

Quem parou no tempo mesmo foi o Brasil. O jogo de ontem mostrou perfeitamente isso, com o Santos apenas assistindo à aula do time espanhol. O futebol mudou faz tempo, muito antes de Neymar e Messi. Jogadores se tornaram atletas, correndo como loucos em volta da bola. O futebol arte e técnico ficaram sem espaço. O Brasil aceitou calado e se adaptou do jeito que pôde. Perdeu seu encanto. Desistiu de dar espetáculo. Não quer mais os craques. Se contenta com a vitória com cara de derrota.

Dos times atuais, apenas o Barcelona teve a ousadia de tentar criar algo novo. Conseguiu. Dá show, vence, conquista títulos e humilha grande parte dos adversários. Apesar disso, alguns estudiosos da bola insistem em dizer que o que se vê ali é só a repetição do que o Santos de Pelé já fazia. Para eles, não se trata de invenção ou transformação, é cópia mesmo. Mas como, se o futebol mudou tanto de Pelé a Messi? Não faz o menor sentido.

Como definiu perfeitamente o colega e amigo Daniel Espinosa: a história nos ensina que os reis não são eternos, apenas deixam suas marcas na história. E sempre há um herdeiro para a coroa. Neymar é Neymar. Messi é Messi. Pelé é Pelé. Além disso, temos que aceitar de uma vez: nessa história, o Brasil foi quem ficou pra trás. Como aquela seleção de 1950.

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