Pular para o conteúdo principal

Hoje faz um mês

Hoje faz um mês.

Que saio de casa sabendo que na volta você irá me receber. Abrirá a porta, os braços e um sorriso. As palavras jamais ousarão interromper o reencontro. O silêncio será quebrado somente pelo toque das bocas, saudosas. O “bem-vindo” dito com o olhar.

Hoje faz um mês.

Que a casa é a mesma e outra ao mesmo tempo. O cheiro mudou, os móveis foram rearranjados e é como se todo o resto também tivesse ganhado mais cor. Minha casa virou nossa e se transformou em seu ateliê, é a exposição de sua arte, com um espectador exclusivo: eu. Quanta honra!

Hoje faz um mês.

Que nos sobram vontades e nos falta tempo. Temos a família para visitar, os amigos para receber e tantas outras coisas em mente. O final de semana teria que ter pelo menos o dobro de dias para caber nos nossos planos. A vida teria que ser duas. A eternidade é pouco para nós.

Hoje faz um mês.

Que dividimos a mesma cama. Adormecemos quase sempre ao mesmo tempo, os pés encostados para tranqüilizarmos nossos corpos com a presença do outro. Que sonhamos juntos. Eu acordo com a sua risada sonolenta em sonho e te chamo para narrar meu pesadelo e me certificar de que não era real.

Hoje faz um mês.

Que a pressa virou calmaria. Que a paixão se juntou ao amor. Que a vida passou a fazer sentido, assim como todos os outros clichês!

Hoje faz um mês que encontrei a felicidade plena.

Comentários

mais vistos

Saí do Brasil. E morri.

Estou morando no Canadá há quase um mês. Minha esposa foi aprovada em uma seleção para fazer seu doutorado na cidade de Calgary, a terceira maior do país, e resolvemos vir assim, de mala e cuia. Calgary é um lugar curioso, é chamada pelos íntimos de cowtown, cidade das vacas em uma tradução literal, termo usado para um lugar com fazendas em seus arredores, com um clima mais interiorano, talvez. Só para se ter ideia, o maior rodeio do mundo acontece aqui, então realmente é um lugar de Cowboys e Cowgirls. Mas pretendo contar mais da cidade e da vida aqui depois. Quero focar agora na experiência de se fazer as malas e sair do seu país, seja ele qual for. Apesar de ser pouco tempo de experiência, já pude comprovar algumas impressões que tinha sobre a mudança para o exterior. O que acontece quando você faz as malas e embarca no avião com destino a um lugar completamente diferente do seu? Você morre. Isso mesmo, você morre. Eu morri quando vim. Começa pelo fato de normalmente, nesse tip

O Retrato Rasgado

As fotos de uma vida inteira podem caber no bolso da calça. Temos pen-drive, celular, cartão de memória, tablet, notebook, computador e mais um zilhão de ferramentas para nos auxiliar nesse arquivo infinito enquanto dure. Infelizmente esse fenômeno da tecnologia colocou fim a um hábito comum a maioria das famílias: se reunir para ver fotos. A lembrança que tenho é de retirar do alto do armário caixas e mais caixas, leva-las até a sala para a visita do dia ou para nós mesmos, e começar a retirar um a um os álbuns que contavam a história da família. A cada mergulho no passado perdia-se horas olhando as imagens e comentando o quanto fulano era magro, siclano era cabeludo e assim por diante. O tempo em casa parava e, devagarinho, ia andando para trás. Hoje raramente dedico um tempo para organizar as minhas fotos e muito menos para revê-las. Tenho uma pasta no meu desktop e vou salvando tudo lá, de tempos em tempos, sempre que preciso esvaziar a memória do celular. A tecnologia também n

O Fantasma de Vinte Anos

Todo dia ele faz tudo sempre igual. Acorda às seis da manhã, desliga o despertador do celular, aproveita o aparelho nas mãos para olhar as últimas novidades das redes sociais, a previsão do tempo, o e-mail, e só depois de uns dez minutos é que se vira para o lado, dá um beijo na esposa que levanta as oito e ainda está dormindo, e se ergue da cama. Afinal, não tem escolha. Vai até o closet, separa cueca, meia, calça e camisa e deixa cada peça, uma sobre a outra, lhe esperando. Entra no banheiro. Primeiro liga o chuveiro e só depois tira o pijama, dá o tempo certo de a água esquentar. No banho, sempre a mesma sequência. Primeiro o cabelo – o pouco que lhe restou já está grisalho, muito diferente da cabeleira farta dos seus vinte anos – sempre pensa nisso enquanto esfrega os poucos fios com as pontas dos dedos. Por último os pés. Desliga o chuveiro e sai. Seca o corpo começando pela cabeça, que já está no escritório. Será que responderam aquele e-mail? Será que fulano finalizou a plan