Quando algum produto da nossa arte alcança a gringa, como o filme Ainda Estou Aqui, candidato ao Oscar, me encho de orgulho e vaidade. E não é porque preciso da aprovação do público gringo para validar a qualidade de algo nosso – tenho plena noção de que o alcance deles é limitado. Convivo diariamente com canadenses e posso afirmar que a maioria não tem a menor ideia do que é o Brasil, muito menos do que faz parte da nossa cultura ou história – e, claro, normalmente não sabem uma palavra em português. Como esperamos que eles, ou os vizinhos estadunidenses, sejam os responsáveis por eleger o que é bom e o que não é dentro da nossa arte? Natural, então, que seja uma tarefa nossa avaliar, já que a maior parte do que produzimos sequer chegará a ser visto ou ouvido fora. Como escreveu o ator (e pensador) Pedro Cardoso, tudo bem vibrar com a glória internacional, desde que a vaidade permaneça no Brasil.
O motivo de eu comemorar quando algo nosso
ganha espaço aqui é mais pelo fato de eu poder mostrar um pouco do que somos aos
gringos com quem convivo. É uma parcela muito pequena do que é o Brasil, claro,
mas ainda assim é algo com o que posso trabalhar. É como um amigo querido ou
parente que tem algum reconhecimento fora do teu círculo de convivência – você
não precisava que os outros te falassem que o trabalho dele era bom, você já
sabia disso, mas não deixa de ser bom vê-lo receber esse reconhecimento
vencendo as barreiras do círculo de convivência. E, claro, não acho pouca coisa
– voltando ao filme do momento – uma obra que trata de uma parte específica da
história do Brasil, falado em português, estar tendo o reconhecimento que está
tendo mundo afora. É sim de encher de orgulho.
Ao mesmo tempo, por saber que o verdadeiro reconhecimento da nossa arte deve ser nosso, não me deixo abater pelo tratamento que Milton Nascimento recebeu no último Grammy. Lamento muitíssimo por ele, para mim, ele merecia tapete vermelho e atenção de todos ali. Mas sei que seria pedir demais. Para quem não sabe, Milton foi indicado na categoria Melhor Álbum Vocal de Jazz por seu trabalho Milton + Esperanza com a artista Esperanza Spalding, e foi relegado a uma posição distante das mesas principais da cerimônia, em uma área destinada aos espectadores, enquanto outros artistas indicados eram acolhidos no primeiro plano da festa. O motivo? De acordo com a organização, os lugares principais eram para aqueles selecionados para aparecer nos vídeos da transmissão.
Como bem lembrou Neli Pereira, jornalista e
pesquisadora de brasilidades, Milton cantou "Eu sou da América do Sul. Eu
sei, vocês não vão saber", em Para Lennon & McCartney. Bem que poderia
estar falando diretamente à organização do Grammy. Eles não vão saber mesmo, uma
pena, mas tudo bem. Porque nós, sim, sabemos quem é Milton Nascimento, Bituca,
nosso Deus da música, com sua voz divina e obras incomparáveis.
Entre o glamour do Grammy e o lixo ocidental,
tenho orgulho de escolher sempre o segundo.
Texto muito pertinente e verdadeiro. Também tenho orgulho da nossa arte e concordo com o seu pensamento. Eles não vão saber mesmo.
ResponderExcluirTambém não me deixo abater pelo que aconteceu com o Milton, pois para mim ele é um Deus sim..
Uma das vozes mais maravilhosas que pude ouvir na minha vida.