Interrompi minha programação normal para encarar uma primeira sessão de psicanálise. Online. De dentro do carro. Estava bem vestido, me sentia resolvido, seguro de mim. Esperava tudo — menos ser arremessado nu no meio da rua. E, como se não bastasse, atropelado logo em seguida. Na hora, não doeu. Mas acho que vai doer.
Como alguém que nunca fez análise, eu não sabia muito bem o que esperar. Recebi a indicação de uma boa terapeuta e nem me preocupei em investigar primeiro qual o ramo da psicologia — ou da psicanálise — ela praticava. No íntimo, eu contava com afagos e aconchego. Por cinquenta minutos, estaria livre para compartilhar o que bem entendesse com alguém pronto para me dar colo, mesmo que online. Afinal, minha filha, quando vai para suas sessões de terapia, tem uma sala inteira de brinquedos só pra ela — atividades reconfortantes, como num spa para a mente. Era isso que eu buscava, mesmo sem saber.
Na hora da apresentação inicial, quando perguntado por
que a procurei, lancei:
— Não sei ao certo por que estou aqui. Não tenho um grande problema no momento, ou traumas, assim como não carrego dor, ansiedade ou angústia. Estou clean. Mas tenho curiosidade, por isso te liguei.
— Se não sente nenhuma necessidade, não vejo por que seguir com a análise — ela respondeu. — É preciso um motivo. Não precisa ser um grande problema no momento, mas algo que você queira investigar melhor, por exemplo. Se não sente que há algo, não vejo por que avançarmos — completou.
Já eu não sabia o que responder. Ela não tentaria me vender seu serviço? Me convencer a seguir com a terapia?
— Ok, entendo. O que eu posso esperar de benefício, de melhora, caso eu siga em frente? — perguntei, ainda esperando que ela tentasse me vender a ideia.
— Não tenho garantia. Não posso te afirmar o que isso vai te trazer de melhora. Cada pessoa é diferente e reage de forma distinta. No momento, eu não sei nada sobre você — ela continuou, de maneira objetiva. E um pouco fria.
Comecei a ficar realmente desconfortável. E, ao mesmo tempo, com medo de ser dispensado. De repente, aquilo virou um processo seletivo — e eu é que tinha que ser aprovado. Eu é que precisava convencê-la a me tratar. Do quê, não sei exatamente.
Ela seguiu:
— Você tem que saber se tem disposição para ir a lugares que você evita e tocar em feridas das quais foge. Nunca mais vai ser a mesma coisa, disso eu te garanto. Como exatamente vai ser depois de mexer em tudo isso? Só o tempo vai dizer. Você está disposto?
Ela me lançava um convite e, ao mesmo tempo, um desafio. E eu, normalmente, gosto de desafios. Sobre esse, eu ainda não sabia o que sentia.
Você está me pedindo para saltar em pleno voo, sem paraquedas? Mergulhar em alto-mar sem colete? Brincar de cutucar um vespeiro? É isso? E minhas certezas, enfio aonde?
Nada disso eu disse, mas pensei.
No fim, respondi:
— Sim, vamos em frente — falei, com uma segurança maior do que esperava.
Somente depois descobri que se tratava da psicanálise lacaniana. Aquele ideal de conforto, de spa para o cérebro, se desfez completamente. No lugar, surgiu um cinza — e uma imagem ainda abstrata. Nada de acolhimento previsível, diagnósticos prontos ou interpretações mastigadas. Lacan propõe que o sujeito se constrói na linguagem — e que é justamente nesse emaranhado de palavras, lapsos, silêncios e equívocos que algo pode emergir. O analista, nesse contexto, não oferece respostas: ele escuta. E devolve o que foi dito de forma enigmática, quase como um espelho distorcido. Um convite a seguir pelo caminho... e sacudir o que estava quieto.
Vou em frente. Mas confesso: tenho medo de ir e não voltar, como aquele meu amigo de adolescência que nunca mais conseguiu sair da viagem com ácido. Sinto que estou entrando num labirinto sem saída, onde cada porta pode me levar de volta a mim mesmo.
Estou com medo — não do processo ou da psicanalista.
Tenho medo de mim mesmo.
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