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Há Poucos Dias Era Carnaval

Há poucos dias era Carnaval. E juro que pude ouvir um bloco como se passasse bem aqui na minha rua. A batucada, os risos, a cantoria e até mesmo o calor pareciam estar ali. Fazia calor apesar do frio de quase -30, apesar da paisagem sem cor, apesar do pesar. Corri para a janela e duas senhoras caminhavam na rua de frente, com casacos para o frio de -30 e máscaras de carnaval tampando as faces. Mas não havia bloco nenhum. Não havia batucada. Nem risos. Nem cantoria. Muito menos calor. As duas senhoras e uma coincidência que não poderia só ser. Era Carnaval. E eu juro que prestando atenção era possível de se ouvir a festa. A saudade que me trouxe.

O Carnaval passou. Os blocos passaram. Na minha Timeline vi os peitos desnudos da Maria Casadevall passando. No lugar da roupa, a frase “Ele Não”. Não era só a nudez. Era mais. Eu tinha um tanto pra dizer sobre isso porém me calo. “Homem-branco-hétero” é o que me define e tenho que respeitar que nem todos são meus lugares de fala. Não quero ofender ninguém. E definitivamente sobre os peitos da Maria Casadevall não posso opinar. Mesmo que fosse pra elogiar o gesto provavelmente seria apedrejado. Melhor ficar quieto.

Vi o presidente da República postar um vídeo de Golden Shower no Twitter e resumir o Carnaval àquela cena. Depois acompanhei toda a repercussão e também tinha um tanto pra dizer sobre isso porém outra vez me calo. “Brasileiro que vive no exterior” hoje me define e tenho que respeitar que alguns não gostam que eu tenha minha opinião sobre o Brasil. A mudança, para alguns, se equipara à perda total da nacionalidade. Tampouco posso opinar sobre o Canadá pois dizem que moro aqui há apenas dois anos e sou brasileiro. No máximo posso opinar sobre o Brasil. Melhor permanecer quieto então até que peçam minha opinião. Se é que irão pedir.

Vi dois helicópteros sobrevoando uma favela no Rio de Janeiro e atirando contra inocentes. Um morador fez o registro em vídeo e divulgou por uma rede social. O mundo é uma imensa tragédia. O Brasil neste momento, uma comédia de mau gosto. Mas outra vez me calo. O povo da favela já tem levado tiros demais e a minha fala sobre isso seria só mais uma bala perdida entre tantas outras.

Fechei então as janelas para o caos externo e me voltei para o meu caos interno. Tão mais desimportante apesar de infinito. Mas dessa vez, expondo meu modo, alguns dirão: coitado, tão egocêntrico. Típico de homem, branco, hétero. Típico de brasileiro que vive no exterior.


Comentários

  1. Ainda não fui rotulado como "brasileiro que vive no exterior", talvez, quem sabe, porque também fiz a mesma escolha, me calar perante os acontecimentos que estão bombando a cada semana. Estando fora do Brasil há apenas 4 meses, minha percepção é de que tínhamos que ter opinião pra tudo, pra todos os assuntos, principalmente políticos, e expô-la nas redes sociais da maneira mais eloquente possível. Agora que tenho que me preocupar com minhas mortes e ressurreições (vide "Saí do Brasil. E morri."), não tenho mais como ter opinião sobre tudo. É muito sobrecarregante. Mas acho que é bom, a vida é bem mais leve desse jeito.

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